quinta-feira, dezembro 30, 2004

Dèja-vu

Tuas lágrimas selam a sinceridade da mensagem. Teus olhos são os portadores de uma verdade que o tempo marcou na pele.
Quando me diz do medo, entendo.
Quando me diz da incompreensão, compadeço.
Quando me diz do futuro, rateio.
Sei que o que guardas no peito, é teu tesouro inexpugnável.
É o ouro tão pesado quanto belo. Tão precioso quanto cobiçado.
Não deixe o peso te cansar ao ponto de esquecer-te das belezas.
Pois estas verá com teus olhos que carregam a verdade.

sábado, dezembro 25, 2004

Quando mais que saudade
sinto a tua falta,
Quando mais que não te achar
é não te ter ao meu lado,
maior é a certeza do dia seguinte.

terça-feira, dezembro 14, 2004

O último samba

Acabou-se.
Findaram-se os lamentos, secaram as lágrimas e fecharam-se as feridas.
Estas são as notas do meu último samba.
Meus versos agora vem em outro ritmo, outra harmonia.
E se a tristeza quiser voltar, não serei eu a cantar.
Só farei a melodia, que a certeza de outro dia é a força de viver.

sexta-feira, dezembro 10, 2004

a negra comitiva atravessa as águas
carregando consigo o anúncio
de que a jornada se encerra com o suspiro
e os passos largos dos enlutados
mostram a pressa que a vida tem de seguir
e no entanto, alguns insistem em agarrar instantes
e torná-los eternos na sua volatilidade
e se a loucura segue a comitiva de perto
o amor está entre eles
mesmo sem ser notado

Funeral Blues
W. H. Auden

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let the aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He ls Dead.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West.
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever:
I was wrong.
The stars are not wanted now:
Put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean
and sweep up the wood;
For nothing now
can ever come to any good.


segunda-feira, dezembro 06, 2004

Fortuna

se vou de encontro à fortuna,
O que se revela através das palavras
que brotam das cartas sobre a mesa
conforma meu tempo futuro
confirmo meu propósito
procuro meu caminho

Dos passos que percorri
quero apenas a lembrança
para perder o costume
de viver sob o rumo

terça-feira, novembro 30, 2004

Os olhos

meus olhos insistem em percorrer as esquinas
em uma busca vã por uma silhueta
que encontram facilmente ao descer das pálpebras

me pergunto quanto tempo ainda dura
essa rebeldia inesperada
essa desobediência forçada

Quem sabe um dia a retina
me avise que diante dela está o que eu queria
e que então eu sorria
que por enquanto eu só sei chorar

segunda-feira, novembro 29, 2004

Água

Ela é um rio.
Nas curvas deslizo lentamente, numa viagem tranquila, mesmo sem poder contar com o horizonte como guia.
As retas são aventuras, rapidez fluida, onde se manter estável é um desafio que aceito com um sorriso.
As quedas d'água, no entanto, ainda estão escondidas.

sábado, novembro 27, 2004

Prova

Pelo ar veio o som. A distância que se desfaz logo em seguida daquela seqüência de números acabou por revelar uma outra distância infinitamente maior.
Fiz exatamente o que precisava ser feito. "Amar é se arriscar". A frase ecoava em minha mente desde que a ouvi. Precisava acreditar que tudo o que ouvi era verdade. Que ainda havia algo vivo, algo maior que não podia alcançar com os sentidos. Algo que o tempo guardava como um tesouro que não poderia ser revelado em um instante apenas, mas por uma miríade de instantes do mesmo modo guardados.
A distância é então, a medida em metros desse tempo, desses instantes. Medida que agora se estende daqui à terra da chuva, aumentando o vazio que cruza esse caminho.
Entendi então o risco que se corre, quando se quer percorrer esse vazio em busca daquele som que vem de longe.
"-Boa sorte!".

quinta-feira, novembro 25, 2004

Ando em uma linha reta que é pra não perder o rumo.
O "se" só funciona no futuro. Ninguém pode escolher.
Quem sabe o tiro não tenha saído pela colatra, afinal.
Quem sabe o que é ter e perder alguém?
Quem?

segunda-feira, novembro 22, 2004

A Neve

Ele sorriu. Mostrou os dentes ligeiramente amarelados e um pouco da gengiva. Afundou as mãos nos bolsos procurando algum conforto que não achava fora deles. Olhou à sua volta, um olhar magnético que se estendia pelo horizonte atraído pelas cores intensas daquele mar de luzes que estampavam nomes que já não significavam mais nada.Apertou os olhos como se soubesse que as lágrimas vinham em seguida. E de fato sabia.Enquanto a sinfonia rubra regia sua carne, o espírito vagava em algum lugar do passado numa busca vã pelo caminho que a iria conduzir novamente ao dia de hoje. Havia perdido o trem, de forma que para encontrar-se novamente com o destino dependia unicamente do tempo.

Tempo, inimigo cruel, que tudo destrói. Veloz e impetuoso. Severo e indelicado. Frio e paciente.

Fez então aquele gesto que havia guardado há tempos, feito vinho precioso. Saboreou então o momento, observando atentamente às reações inesperadas. Colecionou olhares curiosos, corridas desesperadas e abraços apaixonados. As nuvens que se chocavam ao alto já prenunciavam o espetáculo que seguia. Sorriu novamente e cometeu o crime.Os primeiros flocos começaram a cair. Lentamente, desceram como milhões de pára-quedas. A cidade parou.E foi nesse instante que ele pensou: "Se ao menos ela soubesse..."

sexta-feira, novembro 19, 2004

Procuro nessas linhas a redenção. Quero saber o preço a pagar pelos pecados que cometi. Quero saber a pena que tenho a cumprir. Quero saber daqueles crimes, do sangue derramado, das lágrimas caídas, das mortes, das vidas.
Quero responder pela parte que me cabe, sem um julgamento justo, sem advogado, sem constituição. Chega de culpa, de arrependimento. Não há espaço pra isso.
Quero vomitar todo esse veneno que corrói, me enferruja, me embalsama e me aprisiona. Vomitar todas essas pessoas que engoli e que me moldam de um jeito ou de outro e me ensinam o que devo fazer ou como agir.
Não procuro a beleza das letras, mas o poder da palavra. Não quero o sentido dos sons, mas o estrondo do grito. Quero ouvir o eco e reconhecer nele uma voz esquecida.
Quero aprender de novo o caminho do sonho.
Custe o que custar.

the rain

E és logo tu que é sinônimo de chuva
quem me traz a estiagem
um frio intenso e a saudade
de tudo que a vida é

segunda-feira, novembro 15, 2004


Além do orgulho, nada resta a um guerreiro ferido e derrotado que a certeza de que ainda é um guerreiro. Posted by Hello

quarta-feira, novembro 10, 2004

A Rosa

A moça acordou sem vontade de levantar. Já há algum tempo não via motivos para isso. A neve impiedosa daquela noite distante de inverno havia roubado toda a beleza do jardim, onde ela depositava todas as manhãs o que restava de seu amor, para ver florescer em cores diversas, aquilo que julgava não ser mais capaz de mover a vida.
Entretanto, naquela manhã a esperava no território da desesperança, uma surpresa.
Assim que abriu sua janela, um sorriso tímido brotou em seu rosto. Seus olhos transbordaram das lágrimas mais sinceras que aquelas terras já puderam sentir o peso da queda.
A última rosa havia brotado. Um pequeno botão ousava desafiar os ventos saindo corajosamente em direção aos céus. O caule espinhoso não era muito forte, mas ainda assim guardava com bravura toda a beleza que estava confinada naquele precioso botão.
E foi por essa beleza, que a moça resolveu cuidar da rosa.
Mandou que fizessem uma redoma do cristal mais límpido que houvesse. Encomendou também um vaso, lindo, com detalhes em ouro e prata com motivos florais, trabalhados pelas mãos mais competentes. Não mediu esforços naquele altar que construía para si mesma.
E foi com suas mãos carinhosas que ela mexeu a terra com cuidado para trazer bastante ar. Preparou uma pequena cova e então replantou a rosa como alguém que coloca um recém-nascido no berço. Colocou a redoma sobre o vaso, e levou tudo cuidadosamente à cabeceira de sua cama.
E assim, todos os dias a moça abria os olhos para a maravilha daquela rosa que desabrochada era a coisa mais bela que já havia visto. A textura das pétalas, a tonalidade rosa-chá, o verde intenso dos espinhos em contraste com o caule e força da terra eram de uma estética inigualável.
Inaugurou-se então uma fase de imensa felicidade. As flores cresceram fortes e majestosas, no jardim, enquanto a rosa imperava soberana sobre o criado-mudo. Era tão perfumada, que o cheiro inundava o ambiente mesmo estando ali confinada pelo opressor cristal. A moça se fartava de sorrisos enquanto a vida parecia fazer perfeito sentido. Tinha a certeza de que era feliz, mas não sabia enxergar a dimensão de toda a felicidade.
Foi quando a primeira pétala deitou-se sobre a terra úmida.
Inconsolável, a moça não sabia o que fazer. Tomou então a própria vida, somente para se ver deitar eternamente sobre um lindo canteiro de rosas.

Para Luiza

segunda-feira, novembro 08, 2004

O que você deve saber

Vitória, 20 de Novembro de 2006

Querido,

Sem saber que o tempo não se guarda, roubei todos os minutos desses dois anos. Estão todos no meu peito. Ignorância a minha também não saber que o tempo pesa tanto que chega a ser insuportável.
Escrevo porque ontem tive notícias tuas. Fui informada da tua felicidade. Descobri que ela tem olhos azuis, vinte e seis anos e escreve contos. E se é a pena que traça os descaminhos do teu coração usarei então da mesma arma.
Das minhas letras não espero nada, assim como de ti. Mas derramo aqui o que vem com o peso do tempo, amargura, ódio e insensatez. E esse mesmo tempo trata de colocar na balança o seu peso e leva pro lugar mais alto esses sentimentos.
E se alguma dia você encontrar no fundo de uma gaveta aquele caderno antigo rasgue todas as páginas com os versos que fiz pra ti pois agora não passam de mentiras.
Todo o amor que pensei profetizar naquelas linhas simplesmente não aconteceu. E as pessoas que vieram... e as palavras que não vieram...
E no fim desse movimento, quando se conta o que fica, o que era imaculado agora tem as manchas rubras do teu sangue. Porque o amor que me deste, que fizemos, não foi suficiente para que você pudesse ser completo.
E se o tempo esteve ao meu lado, agora me pressiona. Assim me aproximo daquilo que mais temo.
o fim.

com amor,
Alice

quarta-feira, novembro 03, 2004


Hoje ela não saiu de casa e não fez sol.
 Posted by Hello

terça-feira, novembro 02, 2004

Da arte de viver

Vivia pensando em ser artista. Atriz, talvez. Ou até cantora, seguindo os passos da avó.
Não pensava, no entanto em ser feliz ou coisa que o valha. A felicidade é como um cavalo selvagem, pensava. É muito mais bonito se apreciado à distância. E mais seguro.
Pensava muito, é verdade. Mas sabia viver sem pensar, se fosse necessário. E era assim, sem pensar que ela amava sem ser feliz. Amava completamente, sem atropelos racionais e sem percalços dramáticos. E como não era feliz, não precisava explicar aos outros como era ser feliz com seu amor.
E nesse amor de cama e cozinha, de forno e fogão viveu a vida toda. Viveu e amou sem ser feliz. E foi no fim, que descobriu que o tempo todo foi artista: da arte de viver. E sorriu.

quarta-feira, outubro 27, 2004

Dúvida. É o que consigo ver diante dum horizonte um tanto nublado. Não se trata de seguir um caminho à direita ou à esquerda, muito mais é não saber se existe algum caminho, ou ainda se é preciso andar. Meus pés doem e meu peito não sabe se comportar.
Tento ser racional. Procuro arrumar as gavetas, coloco as meias todas no canto direito e as cuecas no esquerdo. As camisas vão na prateleira superior e as calças penduradas. As idéias é que teimam em não entrar em ordem. Tento me lembrar da última vez em que nada fazia sentido.
Sim.
Pego algumas roupas e jogo na mochila com pressa. Levo o que não pode ser deixado pra trás. Uma carta amarelada, a máquina fotográfica e os fósforos. Um charuto cubano e o último incenso. O perfume do incenso é uma passagem só de ida.
Com pressa, pego o primeiro ônibus que me deixa próximo do meu destino final. DESTINO. É uma palavra forte, na qual nunca acreditei e começo a pensar se não seria agora a hora certa de usar toda aquela fé que desperdicei a vida toda em bobagens e meninas que acham que sabem o que querem. Penso então que falta uma vela. Uma vela pra levar meu destino aos céus.
Sento-me ao lado de um senhor calado, esculpido pelo tempo com feições duras, porém de modo algum desagradáveis. Penso que um dia esse senhor foi muito bonito. Ele tem na cintura uma faca, e carrega consigo um terço que vai rezando durante um bom tempo da viagem.
Pergunto se ele reza por alguém. Alguns minutos se passam até ele decidir se responderia à pergunta. Com uma voz que não parecia pertencer àquele corpo, ele diz que reza por todos aqueles que mandou para o céu. Os olhos azuis do homem não perdem tempo em me provar a veracidade de suas palavras.
Pergunto então se não rezava para ninguém vivo. O rosto do matador fica então com uma expressão diferente. Ele responde que não e se levanta.
Procuro então a mochila. Descubro um volume antigo esquecido ali dentro. Abro numa página qualquer e começo a ler.

?Onde, pois, aprenderam os nossos sábios que o homem tem necessidade de não sei que vontade normal e virtuosa? Por que imaginaram eles que o homem tem aspirações após uma certa vontade racional e útil? O homem não aspira senão uma vontade independente, qualquer que seja o preço e sejam quais forem os resultados. Mas só o diabo sabe o que essa vontade vale?...

E enquanto essas palavras inundavam minha mente o destino finalmente se apresentou.
Uma pequena cidade do interior.
Desci do ônibus e logo perguntei onde ficava aquele lugar tão precioso onde morava toda a paz de que precisava. Uma senhora muito simpática me explicou detalhadamente o que eu tinha de fazer para chegar. Mas aquelas instruções eram um tanto inúteis se levarmos em conta que a minha fé no destino iria me levar lá de qualquer forma.
E se agora as dúvidas já não mais se apresentavam, e os caminhos que há pouco não se faziam tangíveis agora estavam fisicamente presentes ali.
Ela estava lá. Como disse que estaria. E sentou-se de costas para mim.

Para Juliana


quarta-feira, outubro 20, 2004

O Viajante

Enquanto seguia pela estrada pensava em quanto já havia caminhado. Seus pés doíam e sentia que o peso da bagagem já parecia pesar pelo menos três vezes mais que naquela tarde de sol fraco, quando levantou da varanda e seguiu aquela moça que passava ligeira, levando uma cesta repleta de frutas.
A moça se foi, a noite caiu e quando menos esperava, viu que já não via mais de onde partira. E o tempo, que apesar de companheiro é também cruel, cruzou a estrada correndo e carregou consigo alguns meses.
Depois de tanto, o que restava ao viajante eram apenas uns poucos pertences e suas memórias. Lembrava-se dos primeiros dias de viagem, quando a comida era farta e os dias quentes e longos. Podia sentir o ardor das fogueiras, as brasas estalando enquanto faíscas voavam aos quatro cantos, como se quisessem imitar as estrelas ao céu.
Andava pensando que aqueles dias não voltariam e que a vida não seria boa como outrora. Pensava ser impossível viver novamente a serenidade daqueles dias quando o tempo parecia correr leve como um riacho que não tem pressa de chegar ao mar.
Nessa hora então, deparou-se com um monte alto que levava a estrada quase às bordas do céu.
Sentou-se, e de súbito chorou como havia tempos não fazia. Sabia que não tinha mais forças pra seguir aquele caminho árduo, ainda mais carregando nas costas um peso como aquele.
Ouviu então um lamento ensurdecedor. Era o céu que rugia a dor imensa e o peso das nuvens cinza chumbo que se chocavam como dois amantes ensandecidos.
Veio a tempestade. As gotas vieram se confundir com as lágrimas do viajante. Pesadas, ironicamente elas pareciam deixar sua alma mais leve.
Atreveu-se então a desafiar, pé ante pé, a própria vida.
Durante a subida não teve tempo de pensar que agora deixava pra trás a pior parte do caminho. Seus passos lentos cobriam o terreno com a fortaleza e a coragem que nunca lhe faltaram, mas que agora, mais do que nunca faziam a diferença, mesmo que inconscientemente. Seguia com uma determinação jamais vista antes, simplesmente porque até aquele momento não havia enfrentado situação tão calamitosa. Com pouca comida, poucas forças e pouca fé a jornada parecia impossível. Mas o impossível só o é se assim se apresenta a alguém, e o viajante já não mais poderia crer em coisa tal como o impossível que era algo grande demais para suas crenças.
Se acreditar que conseguiria dar um passo à frente, era algo que exigia um esforço sobre-humano, quem dirá conceber a idéia de concluir a subida daquele monte tão ameaçador.
No entanto, foi preciso apenas mais um passo.
Nesse momento, os olhos do viajante atravessaram o céu e cruzaram todo o horizonte como se tivessem a pretensão de levar toda aquela beleza para si. Mas as lágrimas que escorreram mostraram a impossibilidade daquela maravilha ser prisioneira de um só guardião.
E depois das lágrimas percebeu que conhecia muito bem o resto do caminho que ainda tinha pela frente, até a vila que se aproximava. Conhecia todos os passos que se seguiam, as árvores que passavam, todos que cruzavam seu caminho.

Para Rúbia

domingo, outubro 17, 2004

Foi o dia mais feliz da minha vida. Depois de tudo, você finalmente voltou.

Achei que não viesse mais, pensei em silêncio. Pensar era mais do que eu podia fazer então. Achei que não fazia sentido um retorno, principalmente agora. Mas você sempre foi imprevisível. E além disso, sempre fez o que quis. Desde sempre soube que era uma princesa. Desde pequena. E como tal, reinou absoluta nos teus salões. E quando eles ficaram pequenos para as tuas valsas, irrompeu teu imperialismo sobre o meu território, cruzando as minhas terras como fossem tuas. Marcou teu nome no mapa e não fez questão de diplomacia para isso. O fez a ferro e fogo. Marcou como se marca um boi. Hoje porém, o salão era meu.

Você trouxe uma rosa, vermelha. Um presente um tanto adequado, pois o vermelho era algo que me faltava já há algum tempo. Um vermelho vivo, quase sangue. A cor que transbordava da rosa, saltava ao teu rosto para me trazer as lembranças mais bonitas que guardei de você. Daquela foto que eu fiz, a mais bonita, você olhando pra mim. Tua face corada, contornando um sorriso disfarçado, quase contido, mas inevitável. Um olhar que continha as respostas à todas as perguntas que jamais existirão. Estava tudo ali naquela foto.

Enquanto eu descansava deitado ali, você ficou me olhando. Não era mais o mesmo olhar, mas você também não era a mesma depois de tantos anos, tantos dias, tantos... E enquanto olhava, um tanto incrédula de minha passividade, teus olhos se encheram de lágrimas, e as lágrimas encheram teu rosto. De sentimento e maquiagem.

Não é necessário dizer que você estava linda. Impecável. Você sempre ficou bem de vestido, embora não fosse algo que agradasse à sua personalidade expansiva. No entanto, concordava perfeitamente com as tuas curvas. E enquanto eu me entorpecia com aquela beleza melancólica, que gritava sozinha naquela sala escura iluminada somente por algumas velas e um fio teimoso do sol da tarde, o relógio bateu seis horas.

Era muito tarde.

quinta-feira, outubro 14, 2004

De que tipo é o seu amor?
Daqueles que batem com força na porta na madrugada?
Ou é silencioso como a brisa da manhã?
É amor de batom e meia-calça?
Ou veste-se de ouro e pedras preciosas?
Amor que pede explicações, marca dia e hora pra chegar?
Ou é desses que não cobra nada, nem mesmo pode se cobrar?
Seu amor usa camisinha? Escova os dentes?
Que amor é esse que é o teu?
Um amor que anda pelo mundo? Roda os continentes como quem está em casa?
Ou não sai do quarto por duas semanas?
É um amor de fé?
Ou é amor de laboratório? in-vitro? clonado?
É um amor velho, rabugento e ressentido, mas que insiste em viver pra contrariar o mundo?
Ou nasceu ontem, com a promessa de viver eternamente como nos versos do poeta?
É duro o seu amor?
Ou é um amor aveludado?
Tem um nome o teu amor?
Ou é impronunciável?
Que amor é o seu?
Que amor!?

quinta-feira, outubro 07, 2004

Segredos

Ontem saí pra dançar.
Desajeitado, tirei pra dançar uma moça bonita.
Reservada, ela sorriu... Tirou dos olhos pequenos um brilho guardado a sete chaves.
Não ousei perguntar, que os segredos dos olhos são mais perigosos que os do coração.
E então devagar, cruzei o salão fingindo intimidade.
Nos encontramos. Não havia meio.
Enquanto eu dançava, ela era a melodia. Inundava meus sentidos.
No fim, descobri um segredo:
Era bailarina.

terça-feira, outubro 05, 2004

Untitled

Está sujo. Manchado de vermelho sangue. Mancha permanente, daquelas que deixam escrito pra sempre a história que ali se passou.Está turvo. E se ainda há algo que se possa ver, não se enxerga nada com clareza. Os olhos que já não viam bem marejam sem confiança.Está frio. E não podia ser de outro jeito. O calor se esvaiu com o sangue que escorreu rápido como se não suportasse mais a pressão.Está vivo. Apesar de tudo ainda respira. Ainda sente. Ainda espera...