segunda-feira, novembro 22, 2004

A Neve

Ele sorriu. Mostrou os dentes ligeiramente amarelados e um pouco da gengiva. Afundou as mãos nos bolsos procurando algum conforto que não achava fora deles. Olhou à sua volta, um olhar magnético que se estendia pelo horizonte atraído pelas cores intensas daquele mar de luzes que estampavam nomes que já não significavam mais nada.Apertou os olhos como se soubesse que as lágrimas vinham em seguida. E de fato sabia.Enquanto a sinfonia rubra regia sua carne, o espírito vagava em algum lugar do passado numa busca vã pelo caminho que a iria conduzir novamente ao dia de hoje. Havia perdido o trem, de forma que para encontrar-se novamente com o destino dependia unicamente do tempo.

Tempo, inimigo cruel, que tudo destrói. Veloz e impetuoso. Severo e indelicado. Frio e paciente.

Fez então aquele gesto que havia guardado há tempos, feito vinho precioso. Saboreou então o momento, observando atentamente às reações inesperadas. Colecionou olhares curiosos, corridas desesperadas e abraços apaixonados. As nuvens que se chocavam ao alto já prenunciavam o espetáculo que seguia. Sorriu novamente e cometeu o crime.Os primeiros flocos começaram a cair. Lentamente, desceram como milhões de pára-quedas. A cidade parou.E foi nesse instante que ele pensou: "Se ao menos ela soubesse..."

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