terça-feira, novembro 30, 2004

Os olhos

meus olhos insistem em percorrer as esquinas
em uma busca vã por uma silhueta
que encontram facilmente ao descer das pálpebras

me pergunto quanto tempo ainda dura
essa rebeldia inesperada
essa desobediência forçada

Quem sabe um dia a retina
me avise que diante dela está o que eu queria
e que então eu sorria
que por enquanto eu só sei chorar

segunda-feira, novembro 29, 2004

Água

Ela é um rio.
Nas curvas deslizo lentamente, numa viagem tranquila, mesmo sem poder contar com o horizonte como guia.
As retas são aventuras, rapidez fluida, onde se manter estável é um desafio que aceito com um sorriso.
As quedas d'água, no entanto, ainda estão escondidas.

sábado, novembro 27, 2004

Prova

Pelo ar veio o som. A distância que se desfaz logo em seguida daquela seqüência de números acabou por revelar uma outra distância infinitamente maior.
Fiz exatamente o que precisava ser feito. "Amar é se arriscar". A frase ecoava em minha mente desde que a ouvi. Precisava acreditar que tudo o que ouvi era verdade. Que ainda havia algo vivo, algo maior que não podia alcançar com os sentidos. Algo que o tempo guardava como um tesouro que não poderia ser revelado em um instante apenas, mas por uma miríade de instantes do mesmo modo guardados.
A distância é então, a medida em metros desse tempo, desses instantes. Medida que agora se estende daqui à terra da chuva, aumentando o vazio que cruza esse caminho.
Entendi então o risco que se corre, quando se quer percorrer esse vazio em busca daquele som que vem de longe.
"-Boa sorte!".

quinta-feira, novembro 25, 2004

Ando em uma linha reta que é pra não perder o rumo.
O "se" só funciona no futuro. Ninguém pode escolher.
Quem sabe o tiro não tenha saído pela colatra, afinal.
Quem sabe o que é ter e perder alguém?
Quem?

segunda-feira, novembro 22, 2004

A Neve

Ele sorriu. Mostrou os dentes ligeiramente amarelados e um pouco da gengiva. Afundou as mãos nos bolsos procurando algum conforto que não achava fora deles. Olhou à sua volta, um olhar magnético que se estendia pelo horizonte atraído pelas cores intensas daquele mar de luzes que estampavam nomes que já não significavam mais nada.Apertou os olhos como se soubesse que as lágrimas vinham em seguida. E de fato sabia.Enquanto a sinfonia rubra regia sua carne, o espírito vagava em algum lugar do passado numa busca vã pelo caminho que a iria conduzir novamente ao dia de hoje. Havia perdido o trem, de forma que para encontrar-se novamente com o destino dependia unicamente do tempo.

Tempo, inimigo cruel, que tudo destrói. Veloz e impetuoso. Severo e indelicado. Frio e paciente.

Fez então aquele gesto que havia guardado há tempos, feito vinho precioso. Saboreou então o momento, observando atentamente às reações inesperadas. Colecionou olhares curiosos, corridas desesperadas e abraços apaixonados. As nuvens que se chocavam ao alto já prenunciavam o espetáculo que seguia. Sorriu novamente e cometeu o crime.Os primeiros flocos começaram a cair. Lentamente, desceram como milhões de pára-quedas. A cidade parou.E foi nesse instante que ele pensou: "Se ao menos ela soubesse..."

sexta-feira, novembro 19, 2004

Procuro nessas linhas a redenção. Quero saber o preço a pagar pelos pecados que cometi. Quero saber a pena que tenho a cumprir. Quero saber daqueles crimes, do sangue derramado, das lágrimas caídas, das mortes, das vidas.
Quero responder pela parte que me cabe, sem um julgamento justo, sem advogado, sem constituição. Chega de culpa, de arrependimento. Não há espaço pra isso.
Quero vomitar todo esse veneno que corrói, me enferruja, me embalsama e me aprisiona. Vomitar todas essas pessoas que engoli e que me moldam de um jeito ou de outro e me ensinam o que devo fazer ou como agir.
Não procuro a beleza das letras, mas o poder da palavra. Não quero o sentido dos sons, mas o estrondo do grito. Quero ouvir o eco e reconhecer nele uma voz esquecida.
Quero aprender de novo o caminho do sonho.
Custe o que custar.

the rain

E és logo tu que é sinônimo de chuva
quem me traz a estiagem
um frio intenso e a saudade
de tudo que a vida é

segunda-feira, novembro 15, 2004


Além do orgulho, nada resta a um guerreiro ferido e derrotado que a certeza de que ainda é um guerreiro. Posted by Hello

quarta-feira, novembro 10, 2004

A Rosa

A moça acordou sem vontade de levantar. Já há algum tempo não via motivos para isso. A neve impiedosa daquela noite distante de inverno havia roubado toda a beleza do jardim, onde ela depositava todas as manhãs o que restava de seu amor, para ver florescer em cores diversas, aquilo que julgava não ser mais capaz de mover a vida.
Entretanto, naquela manhã a esperava no território da desesperança, uma surpresa.
Assim que abriu sua janela, um sorriso tímido brotou em seu rosto. Seus olhos transbordaram das lágrimas mais sinceras que aquelas terras já puderam sentir o peso da queda.
A última rosa havia brotado. Um pequeno botão ousava desafiar os ventos saindo corajosamente em direção aos céus. O caule espinhoso não era muito forte, mas ainda assim guardava com bravura toda a beleza que estava confinada naquele precioso botão.
E foi por essa beleza, que a moça resolveu cuidar da rosa.
Mandou que fizessem uma redoma do cristal mais límpido que houvesse. Encomendou também um vaso, lindo, com detalhes em ouro e prata com motivos florais, trabalhados pelas mãos mais competentes. Não mediu esforços naquele altar que construía para si mesma.
E foi com suas mãos carinhosas que ela mexeu a terra com cuidado para trazer bastante ar. Preparou uma pequena cova e então replantou a rosa como alguém que coloca um recém-nascido no berço. Colocou a redoma sobre o vaso, e levou tudo cuidadosamente à cabeceira de sua cama.
E assim, todos os dias a moça abria os olhos para a maravilha daquela rosa que desabrochada era a coisa mais bela que já havia visto. A textura das pétalas, a tonalidade rosa-chá, o verde intenso dos espinhos em contraste com o caule e força da terra eram de uma estética inigualável.
Inaugurou-se então uma fase de imensa felicidade. As flores cresceram fortes e majestosas, no jardim, enquanto a rosa imperava soberana sobre o criado-mudo. Era tão perfumada, que o cheiro inundava o ambiente mesmo estando ali confinada pelo opressor cristal. A moça se fartava de sorrisos enquanto a vida parecia fazer perfeito sentido. Tinha a certeza de que era feliz, mas não sabia enxergar a dimensão de toda a felicidade.
Foi quando a primeira pétala deitou-se sobre a terra úmida.
Inconsolável, a moça não sabia o que fazer. Tomou então a própria vida, somente para se ver deitar eternamente sobre um lindo canteiro de rosas.

Para Luiza

segunda-feira, novembro 08, 2004

O que você deve saber

Vitória, 20 de Novembro de 2006

Querido,

Sem saber que o tempo não se guarda, roubei todos os minutos desses dois anos. Estão todos no meu peito. Ignorância a minha também não saber que o tempo pesa tanto que chega a ser insuportável.
Escrevo porque ontem tive notícias tuas. Fui informada da tua felicidade. Descobri que ela tem olhos azuis, vinte e seis anos e escreve contos. E se é a pena que traça os descaminhos do teu coração usarei então da mesma arma.
Das minhas letras não espero nada, assim como de ti. Mas derramo aqui o que vem com o peso do tempo, amargura, ódio e insensatez. E esse mesmo tempo trata de colocar na balança o seu peso e leva pro lugar mais alto esses sentimentos.
E se alguma dia você encontrar no fundo de uma gaveta aquele caderno antigo rasgue todas as páginas com os versos que fiz pra ti pois agora não passam de mentiras.
Todo o amor que pensei profetizar naquelas linhas simplesmente não aconteceu. E as pessoas que vieram... e as palavras que não vieram...
E no fim desse movimento, quando se conta o que fica, o que era imaculado agora tem as manchas rubras do teu sangue. Porque o amor que me deste, que fizemos, não foi suficiente para que você pudesse ser completo.
E se o tempo esteve ao meu lado, agora me pressiona. Assim me aproximo daquilo que mais temo.
o fim.

com amor,
Alice

quarta-feira, novembro 03, 2004


Hoje ela não saiu de casa e não fez sol.
 Posted by Hello

terça-feira, novembro 02, 2004

Da arte de viver

Vivia pensando em ser artista. Atriz, talvez. Ou até cantora, seguindo os passos da avó.
Não pensava, no entanto em ser feliz ou coisa que o valha. A felicidade é como um cavalo selvagem, pensava. É muito mais bonito se apreciado à distância. E mais seguro.
Pensava muito, é verdade. Mas sabia viver sem pensar, se fosse necessário. E era assim, sem pensar que ela amava sem ser feliz. Amava completamente, sem atropelos racionais e sem percalços dramáticos. E como não era feliz, não precisava explicar aos outros como era ser feliz com seu amor.
E nesse amor de cama e cozinha, de forno e fogão viveu a vida toda. Viveu e amou sem ser feliz. E foi no fim, que descobriu que o tempo todo foi artista: da arte de viver. E sorriu.