quarta-feira, outubro 20, 2004

O Viajante

Enquanto seguia pela estrada pensava em quanto já havia caminhado. Seus pés doíam e sentia que o peso da bagagem já parecia pesar pelo menos três vezes mais que naquela tarde de sol fraco, quando levantou da varanda e seguiu aquela moça que passava ligeira, levando uma cesta repleta de frutas.
A moça se foi, a noite caiu e quando menos esperava, viu que já não via mais de onde partira. E o tempo, que apesar de companheiro é também cruel, cruzou a estrada correndo e carregou consigo alguns meses.
Depois de tanto, o que restava ao viajante eram apenas uns poucos pertences e suas memórias. Lembrava-se dos primeiros dias de viagem, quando a comida era farta e os dias quentes e longos. Podia sentir o ardor das fogueiras, as brasas estalando enquanto faíscas voavam aos quatro cantos, como se quisessem imitar as estrelas ao céu.
Andava pensando que aqueles dias não voltariam e que a vida não seria boa como outrora. Pensava ser impossível viver novamente a serenidade daqueles dias quando o tempo parecia correr leve como um riacho que não tem pressa de chegar ao mar.
Nessa hora então, deparou-se com um monte alto que levava a estrada quase às bordas do céu.
Sentou-se, e de súbito chorou como havia tempos não fazia. Sabia que não tinha mais forças pra seguir aquele caminho árduo, ainda mais carregando nas costas um peso como aquele.
Ouviu então um lamento ensurdecedor. Era o céu que rugia a dor imensa e o peso das nuvens cinza chumbo que se chocavam como dois amantes ensandecidos.
Veio a tempestade. As gotas vieram se confundir com as lágrimas do viajante. Pesadas, ironicamente elas pareciam deixar sua alma mais leve.
Atreveu-se então a desafiar, pé ante pé, a própria vida.
Durante a subida não teve tempo de pensar que agora deixava pra trás a pior parte do caminho. Seus passos lentos cobriam o terreno com a fortaleza e a coragem que nunca lhe faltaram, mas que agora, mais do que nunca faziam a diferença, mesmo que inconscientemente. Seguia com uma determinação jamais vista antes, simplesmente porque até aquele momento não havia enfrentado situação tão calamitosa. Com pouca comida, poucas forças e pouca fé a jornada parecia impossível. Mas o impossível só o é se assim se apresenta a alguém, e o viajante já não mais poderia crer em coisa tal como o impossível que era algo grande demais para suas crenças.
Se acreditar que conseguiria dar um passo à frente, era algo que exigia um esforço sobre-humano, quem dirá conceber a idéia de concluir a subida daquele monte tão ameaçador.
No entanto, foi preciso apenas mais um passo.
Nesse momento, os olhos do viajante atravessaram o céu e cruzaram todo o horizonte como se tivessem a pretensão de levar toda aquela beleza para si. Mas as lágrimas que escorreram mostraram a impossibilidade daquela maravilha ser prisioneira de um só guardião.
E depois das lágrimas percebeu que conhecia muito bem o resto do caminho que ainda tinha pela frente, até a vila que se aproximava. Conhecia todos os passos que se seguiam, as árvores que passavam, todos que cruzavam seu caminho.

Para Rúbia

Nenhum comentário: