quarta-feira, outubro 27, 2004

Dúvida. É o que consigo ver diante dum horizonte um tanto nublado. Não se trata de seguir um caminho à direita ou à esquerda, muito mais é não saber se existe algum caminho, ou ainda se é preciso andar. Meus pés doem e meu peito não sabe se comportar.
Tento ser racional. Procuro arrumar as gavetas, coloco as meias todas no canto direito e as cuecas no esquerdo. As camisas vão na prateleira superior e as calças penduradas. As idéias é que teimam em não entrar em ordem. Tento me lembrar da última vez em que nada fazia sentido.
Sim.
Pego algumas roupas e jogo na mochila com pressa. Levo o que não pode ser deixado pra trás. Uma carta amarelada, a máquina fotográfica e os fósforos. Um charuto cubano e o último incenso. O perfume do incenso é uma passagem só de ida.
Com pressa, pego o primeiro ônibus que me deixa próximo do meu destino final. DESTINO. É uma palavra forte, na qual nunca acreditei e começo a pensar se não seria agora a hora certa de usar toda aquela fé que desperdicei a vida toda em bobagens e meninas que acham que sabem o que querem. Penso então que falta uma vela. Uma vela pra levar meu destino aos céus.
Sento-me ao lado de um senhor calado, esculpido pelo tempo com feições duras, porém de modo algum desagradáveis. Penso que um dia esse senhor foi muito bonito. Ele tem na cintura uma faca, e carrega consigo um terço que vai rezando durante um bom tempo da viagem.
Pergunto se ele reza por alguém. Alguns minutos se passam até ele decidir se responderia à pergunta. Com uma voz que não parecia pertencer àquele corpo, ele diz que reza por todos aqueles que mandou para o céu. Os olhos azuis do homem não perdem tempo em me provar a veracidade de suas palavras.
Pergunto então se não rezava para ninguém vivo. O rosto do matador fica então com uma expressão diferente. Ele responde que não e se levanta.
Procuro então a mochila. Descubro um volume antigo esquecido ali dentro. Abro numa página qualquer e começo a ler.

?Onde, pois, aprenderam os nossos sábios que o homem tem necessidade de não sei que vontade normal e virtuosa? Por que imaginaram eles que o homem tem aspirações após uma certa vontade racional e útil? O homem não aspira senão uma vontade independente, qualquer que seja o preço e sejam quais forem os resultados. Mas só o diabo sabe o que essa vontade vale?...

E enquanto essas palavras inundavam minha mente o destino finalmente se apresentou.
Uma pequena cidade do interior.
Desci do ônibus e logo perguntei onde ficava aquele lugar tão precioso onde morava toda a paz de que precisava. Uma senhora muito simpática me explicou detalhadamente o que eu tinha de fazer para chegar. Mas aquelas instruções eram um tanto inúteis se levarmos em conta que a minha fé no destino iria me levar lá de qualquer forma.
E se agora as dúvidas já não mais se apresentavam, e os caminhos que há pouco não se faziam tangíveis agora estavam fisicamente presentes ali.
Ela estava lá. Como disse que estaria. E sentou-se de costas para mim.

Para Juliana


Um comentário:

Juliana Ferreira disse...

muita gente mata de ruindade, muita gente mata por puro amor. outros já estão mortos de saudades, afogados no mar azul que cabe dentro de dois olhos.

amo você, mau mau, e você sabe disso!